Além dos impactos para a logística da guerra, a derrota pode ter um peso considerável sobre o moral dos ucranianos, já abalado, ao reforçar que a estratégia de Kiev de atacar o território russo para desviar forças do leste da Ucrânia não deu certo.

No início de agosto, forças ucranianas invadiram a região de Kursk, no sudoeste russo, em uma incursão que surpreendeu até mesmo oficiais americanos. Apesar da vantagem da Rússia em termos de homens e blindados, a ofensiva sinalizou que Moscou tem vulnerabilidades.

Mas após um mês da ofensiva, comandantes ucranianos já itiram que a incursão em Kursk não desviou forças suficientes e a Rússia aumentou a pressão na frente oriental da Ucrânia, especialmente no bastião logístico de Pokrovsk.

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A cidade virou um dos objetivos centrais dos russos. Se Pokrovsk for tomada, parte do fluxo logístico militar ucraniano será cortado e estrategistas de guerra avaliam que os efeitos podem ser catastróficos.

A inteligência britânica disse no início do mês que a captura da cidade significaria o corte de uma importante artéria, a rodovia T-0504, que liga Pokrovsk a Chassiv Iar, um dos eixos vitais para o fornecimento de armas, pessoal e munições no leste do país. As alternativas seriam estradas secundárias, de terra ou a floresta, o que reduziria muito a fluidez das tropas.

A captura de Pokrovsk pode não levar a um colapso total, mas coloca em risco a porção central de Donetsk.

Em 19 de agosto, as autoridades locais de Pokrovsk já ordenaram a evacuação das famílias com crianças da cidade.

Em entrevista à âncora da CNN Christiane Amanpour, veiculada na quinta-feira (5), o comandante-chefe da Ucrânia, general Oleksandr Syrskyi, confirmou que Kiev está sob imensa pressão ao redor de Pokrovsk. Mas disse que suas tropas conseguiram conter os avanços russos na última semana.

Syrskyi itiu ainda que os atrasos na assistência militar dos Estados Unidos causaram grandes contratempos no campo de batalha e levaram a uma queda no moral das forças ucranianas.

Após a aprovação da controversa lei de mobilização, que ou a exigir que homens entre 18 e 60 anos se alistassem no exército ucraniano, novos recrutas estão chegando às linhas de frente. E comandantes disseram à CNN que nem todos os novos soldados estão prontos para lutar e estão abandonando suas posições com frequência.

Vicente Ferraro, cientista político especialista em conflitos e política da Rússia e professor da FGV, avalia que a ofensiva em Kursk foi uma tentativa de elevar o moral, mas também de sinalizar aos países aliados que os recursos e as armas fornecidos podem ser usados de forma eficaz. "Há um questionamento em muitos países sobre as reais possibilidades de a Ucrânia ter algum sucesso e sobre a viabilidade de fornecer mais recursos", diz Ferraro.

Mas o professor pondera que desde a ofensiva em Kursk, a Rússia vem intensificando os ganhos no leste da Ucrânia, sobretudo no Donbas e deixou Pokrovsk sob séria ameaça. Por isso, a estratégia ucraniana de avançar sobre a Rússia, inicialmente vista como uma inesperada reação, agora é fortemente questionada.

Apesar dos esforços ucranianos em atacar Kursk para desviar a atenção do leste do país, as forças russas realizaram em agosto o maior avanço na Ucrânia desde outubro de 2022: 477 km2, segundo o Instituto para o Estudo da Guerra.

Após dois anos e meio de guerra, Pokrovsk poderia representar um novo ponto de inflexão no conflito, em um momento que o moral ucraniano não precisava de mais um revés.

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