O áudio da ligação foi usado como suposta prova de adesão a um benefício que a aposentada nunca havia solicitado. Mas não colou.
Um outra ligação, feita a uma aposentada de 79 anos, a atendente da Unsbras até chega a completar os dados da mulher, como o ano de nascimento e o F. O faz porque já os têm em mãos. A forma como eles conseguiram as informações pessoais da idosa é uma incógnita para advogados, uma vez que os dados não são públicos e são protegidos pela Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
A atendente lê um termo de consentimento. A ligação fica distante e o áudio praticamente incompreensível. Ainda assim, a entidade dá como certo o desconto e a a debitar valores todos os meses dos pagamentos da aposentadoria da idosa.
Em 1 minuto e 49 segundos, a Ambec consegue amarrar a adesão de outro aposentado de 66 anos. A atendente sabe até o número do benefício do idoso, fala frases corridas, com palavras emboladas e no final dos textos sempre pergunta "confirma?".
Para a advogada Layane Botelho, especialista em direito bancário, a abordagem acelerada mostra como as práticas abusivas foram institucionalizadas e generalizadas por anos pelas entidades vinculadas ao INSS.
Layane sustenta que essa prática já se tornou “quase institucionalizada”. “Esses descontos inseridos automaticamente no benefício previdenciário reduzem, sem sombra de dúvidas, a capacidade de compra dessa pessoa, que já sobrevive com muito pouco”, disse ela à CNN.
Até agora, mais de 2 milhões de aposentados e pensionistas já relataram ao INSS descontos indevidos em seus benefícios. O órgão ainda não divulgou como e nem quando vai devolver os valores totais. As primeiras devoluções começam nesta segunda (25).
Em uma das decisões sobre o tema, o juiz Pedro Henrique Valdevite Agostinho, da comarca de Guaíra, no interior de São Paulo, não só critica mas invalida a abordagem feita por telefone.
"O áudio é incompreensível em sua maior parte, sendo que o atendente da ré [a entidade] apenas realiza, de forma extremamente veloz e sem pausas, a leitura de algumas condições da contratação, sem tratar de informações relevantes, como valor, forma de pagamento, condições de cancelamento etc", diz ele, sugerindo "má-fé" e "prática abusiva", o que viola o Código de Defesa do Consumidor.
A visão é semelhante ao do juiz Humberto Rocha, da comarca da Franca (SP), que condena outra associação a pagar indenização para um idoso considerando que os descontos indevidos configuram dano moral. Ele também critica a forma da abordagem e o tempo da ligação.
"É certo que a requerida somente se preocupou, por meio do seu serviço de call center, de vender o serviço/produto, em razão do tempo ínfimo da ligação, não sendo crível que o consumidor tenha condições de, nesse exíguo espaço de tempo, ter ciência de todos os termos e peculiaridades de um contrato extremamente complexo como o ofertado pela requerida", sustenta o magistrado.
A CNN questionou o INSS sobre os contatos por telefone. Em nota, o órgão disse que “não autoriza qualquer tipo de abordagem irregular, como 'ligações relâmpago', confusas ou que induzam o segurado ao erro para a efetivação de descontos em seus benefícios”.
Eles ressaltam ainda que “as normativas do INSS são claras quanto à necessidade de autorização expressa do titular do benefício para a efetivação de qualquer desconto de mensalidade associativa”.
Representadas pelos advogados Daniel Bialski e Bruno Borragine, tanto a União Nacional dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (Unabrasil/Unsbras) quanto a Ambec e o Cebap, citados na reportagem enviaram um posicionamento com os mesmos termos.
Elas disseram que “o call center e todas as atividades relacionadas à prospecção e afiliação de novos associados, tais como ligações telefônicas, eram conduzidas por
correspondentes bancários (CORBANS), ou seja, empresas privadas terceirizadas”.
Afirmam ainda que “essas empresas não têm vínculo de colaboração com a entidade, atuando exclusivamente na prestação dos serviços de captação e afiliação de novos
associados, incluindo a gravação de telefonemas para comprovação da adesão formal”.
As entidades alegaram ter um programa de compliance “destinado a assegurar a lisura de suas atividades e a evitar e coibir práticas de vício de consentimento dentro da associação” e que vedavam “constantemente novas afiliações que continham suspeitas de vício de consentimento, inclusive nas gravações telefônicas”.
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