Mas Dona Nena, mulher ocupada, com negócios e família para cuidar, respondia aos meus pedidos de conversa apenas com mensagens curtas e bastante diretas. Alguns trechos tirados das nossas trocas por WhatsApp:
"- Dona Nena, boa tarde!, posso ligar agora?
- Não
(...)
- Ok, vou ligar na segunda, dia 14, às 10 hs. Se conseguirmos falar, ótimo. Bom fim de semana.
- Ok"
Verdade que ela tentou me ligar uma vez, gentil e orgulhosa como ela certamente deve ser, com tudo que construiu em anos de empreendedorismo verde. Mas aí a culpa foi minha: estava apresentando o meu jornal na TV e não consegui atender a ligação.
É fácil entender esses desencontros: Dona Nena é hoje um dos símbolos do modelo econômico que o Brasil mais precisa ver desenvolvido: a bioeconomia. Produzir a partir das riquezas naturais que um lugar possui, como uma floresta. Um trabalho que não é simples. E não se faz sozinho.
Para isso, se parte de uma combinação de ciência, tecnologia e conhecimentos locais (que, muitas vezes, apenas os moradores dali têm). O que pode sair dessa mistura? Alimentos, combustível, turismo, lazer, ou seja, a bioeconomia está espraiada em vários setores e o que interessa é impulsionar um modelo de produção que seja sustentado para natureza e para as pessoas.
Com um território continental, com diferentes climas e biomas, o Brasil precisa desenvolver um olhar regionalizado - entender as riquezas que podem ser encontradas em diferentes cantos do país. Mas não basta encontrar a vocação local. Tem que haver transporte do produto para os centros consumidores. Se for alimento: como se conserva aquele produto sem perder as suas características?
Tanto trabalho vale a pena. O potencial global da bioeconomia é calculado em oito trilhões de dólares. Entendem, agora, todo o meu interesse em ficar amigo de Dona Nena??
Brincadeiras à parte, se eu não consegui conversar com Dona Nena, a repórter Tayana Narcisa conseguiu. Ela esteve na Ilha do Combu, não muito distante de Belém. Só se chega de barco, numa viagem de 15 minutos, partindo da capital. Foi uma entrevista para o CNN Sustentabilidade para se conhecer o conceito de bioeconomia na prática. E aí, Dona Nena falou.
"Quando comecei com esse trabalho, comecei procurando gerar renda; quando não tinha frutas, tínhamos que ir para cidade, procurar emprego”, ela contou. De 2005 para cá, desenvolvendo a técnica de lidar com o cacau, se especializando na fabricação de um chocolate natural, mas nunca esquecendo o que aprendeu na floresta, Dona Nena viu sua produção crescer. E a ilha também.
Contrata gente da terra, que não precisa mais procurar emprego em Belém. Criou uma linha de chocolates produzida com cacau orgânico, resgatando receitas que a família já fazia. Viu a economia local crescer, outros negócios surgirem - hoje são mais de 20 restaurantes, tornando a Ilha do Combu um destino turístico para quem visita o Pará.
O cacau é cultivado no meio da mata. Para orgulho de Dona Nena. “Vocês não vão encontrar uma fazenda de cacau aqui. O nosso cacau está junto com outras plantas frutíferas, açaí, cupuaçu, banana, pupunha”.
Dali é que sai um chocolate puro, orgânico, e com reconhecimento internacional, como assinalou Tayana em sua reportagem. Quem viu de perto e se encantou com toda a estrutura montada por Dona Nena em anos de trabalho foi o presidente da França, Emmanuel Macron, junto com o presidente Lula.
E quando não está na temporada de cacau, Dona Nena aprendeu a fazer outros produtos com a riqueza que está ali, no quintal de casa, como o doce de cupuaçu. Tudo pode ser encontrado no site do Filha do Combu.
Vindo diretamente da terra onde, em novembro, o mundo estará reunido para debater a COP30. E aí, eu juro, vou pessoalmente conhecer a Dona Nena.