O primeiro entrave reside na inexistência de canais institucionais confiáveis e duradouros de comunicação entre as partes. Embora mediações episódicas tenham ocorrido, elas não se consolidaram em um processo contínuo de diálogo, sobretudo no mais alto nível. A guerra de narrativas, intensificada pela instrumentalização da informação como recurso estratégico, agravou a erosão das garantias básicas e impossibilitou a criação de uma arquitetura diplomática minimamente robusta.
Esse cenário está diretamente relacionado a um segundo ponto: a ausência de confiança entre as partes. A literatura clássica de negociação em contextos de conflito pressupõe que a predisposição ao diálogo depende da percepção de que os custos da continuidade superam os ganhos potenciais.
No caso russo-ucraniano, essa equação está longe de se consolidar. A Rússia ainda aposta na erosão gradual da resiliência ocidental, enquanto a Ucrânia mantém a expectativa de retomar territórios com apoio militar externo. O resultado é a cristalização de uma lógica de soma zero, incompatível com qualquer concessão significativa.
Além disso, não há sinais tangíveis de desescalada militar. Pelo contrário, os meses recentes indicam uma intensificação dos combates e uma sofisticação crescente do aparato bélico empregado. A Rússia retomou a ofensiva em áreas-chave do leste ucraniano, enquanto a Ucrânia desbrava novas formas de ofensiva, como acompanhamos com a operação “Teia de Aranha” nessa semana.
A escalada tecnológica e a militarização prolongada indicam não apenas o prolongamento do conflito, mas o seu enraizamento.
O quarto elemento a ser considerado é o fracasso dos mediadores em estabelecer um ponto de equilíbrio legítimo entre as partes. Iniciativas promovidas por atores como Turquia, China e mesmo pelo Vaticano, embora relevantes, têm enfrentado limitações de credibilidade e capacidade de enforcement. Até mesmo figuras como Donald Trump, que prometia uma abordagem “não convencional” e “eficiente” para encerrar a guerra, não apresentaram, até o momento, qualquer proposta concreta que ultrae a retórica.
A fragmentação do sistema internacional e o declínio da capacidade de coordenação global dificultam ainda mais o papel de mediação efetiva.
Por fim, e mais crucialmente, as causas estruturais do conflito seguem não apenas presentes, mas acirradas. O embate entre Rússia e Ucrânia decorre de uma incompatibilidade sistêmica entre projetos nacionais antagônicos. A Rússia opera sob uma lógica de segurança ofensiva e entende a expansão da Otan como um cerco à sua esfera de influência. A Ucrânia, por sua vez, reivindica autonomia soberana plena e almeja a integração euroatlântica como elemento de seu projeto de identidade nacional.
Trata-se de um conflito entre visões irreconciliáveis de ordem regional, ambas sustentadas por narrativas históricas, interesses estratégicos e respaldos populares robustos.
Enquanto esses elementos de fundo permanecerem inalterados - e não há qualquer sinal de que estejam prestes a mudar, qualquer aceno diplomático será, na melhor das hipóteses, paliativo. A paz duradoura exige não apenas cessar-fogo e compromissos formais, mas transformações profundas nas percepções, interesses e estruturas de poder que moldam o comportamento dos atores.
Até lá, a experiência recomenda cautela: o fim da guerra não se alcança por simples desígnio de vontades, mas por condições objetivas que, por ora, ainda parecem distantes.